27 de jul. de 2014

À espera de um amor


" Mas desde que, há duas semanas, uma cigana desvendou as fracas linhas da palma da minha mão: dois amores, apontou, um já passado e outro em breve por chegar. Desde então, me desconheço. [...] Mal posso conter um susto investigando o porte de cada homem que se aproxima, em cada esquina que eu dobro, sinto que busco. E me detesto por essa inquietude ardida, pelo amor que desconheço e mal consigo supor, tão parca é minha vida de memórias ou medidas. [...] Sobrevivo a cada manhã quando, cruzando corredores que me conduzem às ruas intermináveis, imagino sempre que sou invisível para cada um dos que passam. Ninguém suspeita do meu segredo, caminho severa pelas calçadas, olhos baixos, para que minha sede não transpareça: sou tão morena e tão magrinha que ninguém me adivinha assim como tenho andado - castamente cinzelada no topo deste morro onde os ventos não cessam de uivar, tenso entre as mãos, como quem segura lírios maduros do campo, uma espera tão reluzente que já é certeza. "

- 3X4 Liége, de Caio Fernando Abreu.

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