19 de ago. de 2014

Uma longa história, mas tente não se emocionar...



Se querem a verdade, pois aguentem-a então. Todos nós já tivemos um amor de uma vida toda, mas que contado por dias, apenas durou alguns meses. Eu vou contar a história do meu amor de alguns meses. Não foi algo que eu vá ficar triste, é apenas uma história que envolve um garoto magrela, de olhos verdes azulados, branco como um algodão, sardento e de cabelos vermelhos cor de fogo. Aquele garoto salvou a minha vida, mas não pude salvar a dele. Eu costumava acreditar que o mundo era algo injusto, e eu pensava assim durante muito, muito tempo. Não acho que seja necessário anunciar meu nome aos quatro cantos do mundo, mas me chamem de pequena. Era assim que ele me chamava. 

Christian foi o amor de minha vida, o amor mais puro e reciproco que tive. Durante muitos anos, convivi com os meus pais numa constante briga. Sei lá, acho que ainda guardava um pouco de esperança de que eles fossem se acertar e ficarem juntos. Final do ano retrasado, a bomba explodiu. Eles anunciaram seu divórcio. Achava que era a coisa mais ruim que já havia me acontecido. Quando você pensa em divórcio, pensa em duplos presentes, duplo quarto, duplo mimo, duplo pai, dupla mãe. Mas eu não queria aquilo, eu queria que eles ficassem juntos, que nunca se separassem. Em meu aniversário de quinze anos, mamãe venceu minha guarda na justiça e fomos morar em outra cidade, longe de tudo e todos. Porém, eu sabia que esse todos que ela dizia, se referia a nova namorada de papai e ele em si. A cidade era aconchegante, para não se referir a parada demais, morta demais. Enquanto passávamos com o carro azul turquesa - nada chamativo - de minha mãe, observava as ruas atentamente. Uma única coisa que me chamou muito a atenção foi uma biblioteca grandiosa. A maior biblioteca que eu já havia visto. 

Nossa casa ficava do lado de outra que tinha uma placa de aluga-se. Depois de instalarmos e ficarmos todas bem, - o que foi em torno de uma semana para deixar a casa arrumada - finalmente fui naquela enorme biblioteca que havia me deixado encantada. Não havia tantas pessoas lá dentro como haviam nos bares pelo qual passamos em frente também. Enquanto escolhia um livro, havia um menino sentado lendo algo muito atentamente. Prendi minha vista em sua aparência doce quando de repente ele desviou seus olhos por questões de segundos em minha direção. Foi a maior coisa que havia me acontecido de constrangedor. Constrangedor porque quando algum garoto bonito te olha, você não sabe o que fazer. Ele deu um leve sorriso no canto esquerdo de seus lábios e voltou novamente os seus olhos para os livros. Não tive coragem para pegar algum livro, resolvi ir embora. Meu Deus, eu parecia um tomate de tão corada que havia ficado. No dia seguinte, retornei a biblioteca disposta a pegar um livro. Ele estava lá, e assim que entrei já me encarou. 

Não sabia qual era o pior, sentir o frio na barriga ou sentir minhas pernas ficarem moles. Caminhei sem me importar até os fundos das prateleiras e puxei um pequeno espelho de bolso para ver se não estava tão feia assim. Escolhi qualquer livro de poesias e fui embora o mais rápido que podia. Depois de dois dias, retornei lá. Um enorme temporal havia acabado de começar, e eu realmente não estava disposta a ficar dentro da biblioteca, pois sabia que poderia demorar demais a passar e minha mãe ficaria preocupada. Devolvi o livro e ajeitei minha camiseta. O garoto não estava lá, e queria ter o visto. Esperava um ônibus passar, e a chuva já não estava mais caindo sobre mim. Olhei para os lados, era ele com um pequeno guarda-chuvas em torno de minha cabeça. Não havia reação alguma, fiquei parada como uma boba. Logo ele abriu seu vocabulário e começou a dizer: - Geralmente falam que quando uma chuva dessas vem, é sinal que um anjo morreu- Verdade? - Não, eu acabei de inventar. Só queria ter um assunto. Sorriu, e foi então que pensei ter ouvido sinos em minha volta e tudo foi ficando tão escuro a não ser ele que clareava tudo. - Não queria que ficasse aqui tomando chuva, vai ficar doente. Tome, pegue minha jaqueta e eu te levo até a sua casa. Quando chegamos, ele perguntou se podíamos nos ver algum outro dia, e eu disse que sempre estaria aqui. A partir daí, começamos a nos ver frequentemente quase todos as horas do dia. Jogávamos vídeo-game juntos, saíamos para tomar sorvete juntos, tudo o que fazíamos era juntos. 




Mamãe não dizia nada, apenas ria. Já tínhamos três meses que nos conhecíamos e tudo o que eu sabia era que seu nome era Christian, ele amava ler assim como precisava de ar para respirar. Tinha dezessete anos, havia pais que morreram num acidente aos seus seis anos de idade, e morava com sua vó que adorava o encher de tanto que cozinhava. Adorava os Beatles, gostava de ir até um prédio abandonado e ficar lá de cima observando as pessoas que pareciam formigas. Nunca havíamos transado, mas as garotas de minha cidade, todas quase já haviam. Acho que vivia sobre uma constante pressão, mas Christian dizia que não tinha problema, que podia esperar por mim o tempo que fosse. Quando completamos seis meses que nos conhecíamos, ele me pediu em namoro com aliança daquelas que vem em doce. Estávamos saindo da biblioteca quando pediu para que eu lê-se uma parte que estava com um marca páginas. Quando abri, estava escrito com canetão vermelho ”namore comigo”. Automaticamente soltei um grito que foi abafado por um beijo inesperado. É claro que iria aceitar, ele era a melhor coisa que havia já me acontecido depois de meses. Cinco dias depois de aceitar, fui passar um tempo com meu pai e sua namorada sem sal. Quando retornei depois de vinte longos dias, ele estava lá, me esperando na porta de casa. Estava ansiosa para ver minha mãe, claro. Mas estava mais ansiosa ainda para o rever. 

Ele trazia ao seu lado um buquê de flores coloridas porque dizia que não conseguiu se decidir com qual ficaria. De noite, enquanto estávamos sentados na varanda, notei como ele estava distraído. Havia dificuldades para pegar objetos, mas fingi não ver. Dia seguinte, enquanto ele jogava futebol na escola, eu o vi cair sem motivo algum. Coçava seus olhos a todo instante como se houvesse cisco o perturbando. Até o dia que a avó de Christian me chamou para jantar com eles. Como estávamos namorando, não vi problema algum. Fiquei sentada no sofá com ela me olhando, enquanto esperávamos ele sair do banho. Por estranhar o tanto que já estava lá dentro, fui ver se estava bem. Quando olhava pelos cômodos, o olhei no quarto com o queixo sangrando e caído no chão. Sem reação, gritei pela avó dele e assim foi mandado para o hospital para fazerem exames. Passei a noite lá. No dia seguinte, os médicos falaram que ele estava doente. Assim na lata, o médico nos chamou e o chamou e disse: ”Ele está com uma doença rara.” Era câncer? Meu coração gelou. Então ele suspirou e novamente disse: ”Ele possui degeneração espinocerebelar, uma doença que atrofia os…” e isso já me bastou o suficiente para que meu mundo desabasse. Ele explicou que isto acontecia com cada 100.000 pessoas, 4 ou 5 eram afetadas por tal. Os sintomas eram claros e cruéis: Ele viraria um vegetal até que morresse de vez. Iria perder a voz, perder o jeito de caminhar, de falar, de se mexer. Iria ter que por fim, andar em cadeiras de rodas e ter ajuda para se alimentar. 

A avó espantada perguntou se havia cura, e então obtivemos a confirmação que até hoje ninguém havia se curado. Porém, muitos conseguem viver por muito tempo. Por anos. Assim que saímos do hospital, passamos para comprar uma cadeira de rodas, por precaução. Desde que Christian tinha ficado doente, percebi olhares maldosos. As pessoas se afastaram dele. Mas não foram só as pessoas. Ele foi obrigado a largar os esportes, o futebol e o time. Já não conseguia ler, escrever era uma tortura. Não podia tomar chuva, nem se arriscar. Sua resistência era baixa. Vivíamos no hospital fazendo tratamentos que eram inúteis, e todos nós sabíamos. Porém, a esperança continuava. Passou semanas e a doença já estava em seu estado mais grave: Ele havia perdido totalmente o modo de se equilibrar. Já não conseguia falar uma frase inteira, e seus dedos viviam tremendo. Discutíamos porque ele insistia em fazer tudo sozinho, mas não podia deixar. Ele odiava ver que as pessoas sentiam pena, se sentiam parando suas vidas para cuidar dele. Já havia um ano e dois meses que nós nos conhecíamos, e alguns alguns meses que a doença havia sido descoberta. A única coisa que conseguia fazer sem dificuldade alguma além de cair o tempo todo, era chorar. Eu não me importava nem um pouco de cuidar dele. Eu queria cuidar. Não importava se isto ocupava todo o meu dia. Em um dia qualquer, enquanto acabávamos de sair do hospital, ele havia pedido para que eu o levasse até a casa porque sentia uma vontade interminável de abraçar sua avó. Depois que ele a abraçou, pediu para que eu o levasse até o alto do prédio para vermos o Sol ir embora. Porém, já não conseguia subir as escadas com aquela cadeira de rodas. Deitamos então na varanda e ficamos abraçados. Quando o levei para casa, ele agarrou meus braços e disse arrastando os dedos em uma tabela com as letras do dicionário, para eu o fazer companhia. Deitei na cama e ficamos virados um para o outro. Ele sorriu, e mesmo que não conseguisse falar uma só palavra, li em seus lábios um ”eu te amo pequena”. Nada de sexo, apenas ficamos abraçados a noite toda. Três meses depois, levamos ele correndo para o hospital. Era tarde demais. Christian havia tido uma parada cardíaca, dois dias antes de seu aniversário. O que descobri foi que alguns amores infinitos duram apenas alguns meses. Ele havia me ajudado quando precisei, e eu não pude ajudar o tanto que gostaria. Mesmo assim, eu sabia que o que tínhamos era eterno. Futuramente, poderia chegar a me casar, ter filhos, um cachorro e o que fosse, mas continuaria sendo a pequena dele, e ele o amor de minha vida.





Animicida

0 Opiniões:

Postar um comentário